


Ankō Itosu (1830-1916) //
Ankō Itosu (1830–1916): o reformador do Karatedō moderno
Ankō Itosu (糸洲安恒), também conhecido como Yasutsune Itosu, conforme a leitura alternativa dos ideogramas que compõem seu nome, nasceu em Yamagawa, distrito de Shuri, no antigo Reino de Ryūkyū, em 1830. É amplamente reconhecido como um dos pilares da modernização do Karate, responsável por adaptar a arte às novas necessidades educacionais e culturais do início do século XX.
Formação e Mestres
Os principais mestres de Itosu foram Sōkon Matsumura, Kōsaku Matsumora, Gusukuma, Nagahama e Yasuri. Além de dominar o Tōde e o Te de Shuri e Tomari, Itosu também estudou o estilo de esgrima japonês Jigen-ryū, transmitido pelos samurais do clã Satsuma, o que lhe conferiu um entendimento mais amplo das estratégias e princípios de combate.
Influenciado por seu amigo e mentor Ankō Asato, Itosu chegou a ocupar o cargo de secretário do rei de Ryūkyū, demonstrando não apenas erudição e disciplina, mas também grande confiança por parte da realeza.
Força Física e Treinamento
Famoso por sua força física extraordinária, Itosu era descrito como possuidor de braços e pernas de potência incomum. Relatos afirmam que conseguia vencer facilmente Asato em disputas de força, esmagar hastes de bambu com as mãos e até suportar golpes contra os muros de pedra que cercavam os túmulos reais de Shuri. Sua filosofia de treinamento enfatizava a condição física rigorosa e a resistência corporal como bases para o domínio técnico e o refinamento do espírito marcial.
O Modernizador do Karate
Ankō Itosu é considerado o grande reformador do Karate. Sua visão pedagógica transformou a arte marcial tradicional — até então restrita a círculos fechados de guerreiros — em uma prática acessível e educativa.
Entre suas contribuições mais notáveis estão:
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Introdução do Karate no sistema escolar de Okinawa, em 1901;
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Autoria do “Karate Jūkun” (空手十訓) — Os Dez Preceitos do Karate, documento que sistematiza sua filosofia e pedagogia;
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Criação dos kata Pin’an (Heian), concebidos como formas simplificadas para o ensino das bases técnicas e morais;
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Divisão do kata Naihanchi em três partes: Shodan, Nidan e Sandan;
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Criação das versões Shihō, Dai e Shō do kata Kūshankū;
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Criação das versões Dai e Shō do kata Bassai;
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Criação das versões Shodan, Nidan e Sandan do kata Rōhai.
Essas reformas consolidaram um método progressivo de ensino, que permitiu o aprendizado gradual e estruturado — influenciando diretamente os currículos das escolas e, mais tarde, das universidades japonesas.
Principais Discípulos
Entre os discípulos de Itosu destacam-se nomes que moldaram o Karate do século XX: Gichin Funakoshi, Kentsū Yabu, Chōmo Hanashiro, Ken’yū Kudeken, Chōyū Motobu, Chōki Motobu, Chōshin Chibana, Kenwa Mabuni, Kanken Tōyama e Chōjō Ōshiro.
Cada um deles levou adiante aspectos do legado de Itosu, dando origem a diferentes estilos e escolas — como o Shotokan, o Shitō-ryū e o Shōrin-ryū.
O “Karate Jūkun” — Os Dez Preceitos do Karate
Em outubro de 1908, Itosu redigiu uma carta endereçada ao Ministério da Educação e ao Ministério da Guerra do Japão, conhecida como Karate Jūkun (Os Dez Preceitos do Karate).
Esse documento não apenas precedeu a introdução oficial do Karate nas escolas de Okinawa, mas também lançou as bases de sua filosofia moderna — conciliando disciplina moral, educação física e defesa pessoal.
A seguir, o texto integral da carta (tradução adaptada):
Os Dez Preceitos de Ankō Itosu (1908)
O Karate não é praticado apenas para benefício próprio; ele pode ser usado para proteger sua família e seu mestre. Não deve ser empregado como meio de agressão, mas como forma de evitar ferimentos e preservar a integridade diante de um malfeitor.
O objetivo do Karate é tornar músculos e ossos tão firmes quanto a rocha, transformando mãos e pés em armas eficazes. Se as crianças começarem a treinar desde cedo, desenvolverão vigor e disciplina, tornando-se úteis à defesa da nação.
O Karate não pode ser aprendido rapidamente. Assim como um touro que caminha lentamente pode percorrer mil quilômetros, o progresso vem com treino constante e perseverança.
Treine com o makiwara diariamente, abaixando os ombros, abrindo os pulmões, firmando os pés e concentrando a energia no abdômen inferior. Pratique de 100 a 200 golpes por braço.
Mantenha sempre a postura correta: costas eretas, ombros relaxados, pernas firmes e energia centrada.
Pratique cada técnica repetidamente, compreenda suas aplicações (bunkai) e aprenda a aplicá-las no momento certo.
Decida se o Karate servirá para sua saúde, para sua moral ou para o cumprimento do dever.
Treine como se estivesse no campo de batalha: olhos penetrantes, corpo firme, espírito resoluto.
Evite o excesso de esforço, pois o uso imprudente da força pode prejudicar a saúde e desequilibrar o corpo.
O Karate fortalece ossos e músculos, melhora a digestão e a circulação. Se fosse ensinado desde a escola primária, em dez anos o povo de Okinawa seria fisicamente mais forte e moralmente mais elevado.
“Se os estudantes das escolas normais aprendessem Karate e, após formados, o ensinassem em todas as escolas, o Karate se espalharia por toda Okinawa e pelo Japão, contribuindo para a educação e a defesa nacional.” — Ankō Itosu, outubro de 1908
Legado e Falecimento
Ankō Itosu faleceu em 1916, deixando um legado que consolidou as bases do Karatedō moderno. Seu trabalho foi essencial para que o Karate deixasse de ser uma arte secreta e se transformasse em uma disciplina educacional e filosófica, incorporando princípios de autocontrole, moral e respeito.
Referências
TANZADEH, Allen. Ankō Itosu. Shitoryu Karate Canada. Disponível em: http://shitokai.ca. Acesso em: 26 ago. 2017.
TANZADEH, Allen. Ankō Itosu. Sensei Tanzadeh Shitoryu Karate Cyber Academy. Disponível em: http://shitokai.com. Acesso em: 26 ago. 2017.
ALBERNETHY, Iain. The 10 Precepts of Ankō Itosu. The Practical Application of Karate. Disponível em: http://iainabernethy.co.uk/article/10-precepts-anko-itosu. Acesso em: 22 jan. 2012.
SILVEIRA, Rodrigo. Os 10 Preceitos de Ankō Itosu. Si Vis Pacem. Disponível em: http://rod-fu.blogspot.com/2008/09/os-10-preceitos-de-anko-itosu.html. Acesso em: 22 jan. 2012.
* Tradução e adaptações dos autores.